A Capital Federal, de Artur Azevedo



Partes: 1, 2, 3, 4

Comédia Opereta de

costumes brasileiros,

em 3 atos e 12 quadros

Personagens e seus criadores

Lola...................................................................................Pepa Ruiz

D. Fortunata......................................................................Clélia Araújo

Benvinda...........................................................................Olímpia Amoedo

Quinota..............................................................................Estefânia Louro

Juquinha............................................................................Adelaide Lacerda

Mercedes...........................................................................Maria Mazza

Dolores.............................................................................Marieta Aliverti

Blanchette.........................................................................Madalena Vallet

Um Literato......................................................................

]Maria Granada

Uma Senhora....................................................................

Uma Hóspede do Grande Hotel da Capital Federal.........Olívia

Eusébio.............................................................................Brandão

Figueiredo.........................................................................Colás

Gouveia............................................................................. H.Machado

Lourenço...........................................................................Leonardo

Duquinha...........................................................................Zeferino

Rodrigues..........................................................................

]Portugal

Pinheiro.............................................................................

Um proprietário................................................................ ]Pinto

Um freqüentador do Belódromo......................................

Outro literato................................................................... ]Lopes

O gerente do Grande Hotel da Capital Federal..............

S’ll Vou Plait, amador de bicicleta................................Louro

Mota............................................................................... ]Azevedo

Lemos............................................................................

Um Convidado.............................................................. ]Oliveira

Guedes..........................................................................

Um inglês.....................................................................Peppo

Um fazendeiro.............................................................Montani

O "Chasseur"..............................................................N.N.

Hóspedes e criados do Grande Hotel da Capital Federal, vítimas de uma agência de alugar casas, amadores de bicicleta, convidados, pessoas do povo, soldados, etc.

Ação: no Rio de Janeiro, no fim do século passado.

 

Ato I

Quadro I

(Suntuoso vestíbulo do Grande Hotel da Capital Federal. Escadaria ao fundo. Ao levantar o pano, a cena está cheia de hóspedes de ambos os sexos, com malas nas mãos, e criados e criadas que vão e vêm. O gerente do hotel anda daqui para ali na sua faina.)

- Cena I –

Um Gerente, um Inglês, uma Senhora, um Fazendeiro e um Hóspede

Coro e Coplas

Os Hóspedes

De esperar estamos fartos

Nós queremos descansar!

Sem demora aos nossos quartos

Faz favor de nos mandar!

Os Criados

De esperar estamos fartos!

Precisamos descansar!

Um hotel com tantos quartos

O topete faz suar!

Um Hóspede – Um banho quero!

Um Inglês – Aoh! Mim quer come!

Uma Senhora – Um quarto espero!

Um Fazendeiro – Eu estou com fome!

O Gerente

Um poucochinho de paciência!

Servidos todos vão ser, enfim!

Eu quando falo, fala a gerência!

Fiem-se em mim!

Coro

Pois paciência,

Uma vez que assim quer a gerência!

Coplas

    • I –

O Gerente

Este hotel está na berra!

Coisa é muito natural!

Jamais houve nesta terra

Um hotel assim mais tal!

Toda a gente, meus senhores,

Toda a gente, ao vê-lo, diz:

Que os não há superiores

Na cidade de Paris!

Que belo hotel excepcional

O Grande Hotel da Capital

Federal!

Coro

Que belo hotel excepcional, etc...

    • II –

O Gerente

Nesta casa não é raro

Protestar algum freguês:

Acha bom, mas acha caro

Quando chega o fim do mês.

Por ser bom precisamente,

Se o freguês é do bom-tom

Vai dizendo a toda a gente

Que isto é caro mas é bom.

Que belo hotel excepcional!

O grande Hotel da Capital

Federal!

Coro

Que belo hotel excepcional, etc...

O Gerente (Aos criados.) – Vamos!Vamos! Aviem-se! Tomem as malas e encaminhem estes senhores! Mexam-se! Mexam-se!... ( Vozeria. Os hóspedes pedem quarto, banhos, etc... Os criados respondem. Tomam as malas, saem todos, uns pela escadaria, outros pela direita.)

    • Cena II –

O Gerente, depois, Figueiredo

O Gerente () – Não há mãos a medir! Pudera! Se nunca houve no Rio de Janeiro um Hotel assim! Serviço elétrico de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa-redonda! Um relógio pneumático em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem! Grande salão com um plafond pintado pelos nossomeiros artistas! Enfim, uma verdadeira novidade! – Antes de nos estabelecermos aqui, era uma vergonha! Havia hotéis em S. Paulo superiores aos melhores do Rio de Janeiro! Mas em boa hora foi organizada a Companhia do Grande Hotel da Capital Federal, que dotou essa cidade com um melhoramento tão reclamado! E o caso é que a empresa está dando ótimos dividendos e as ações andam por empenhos! (Figueiredo aparece no topo da escada e começa a descer.) Ali vem o Figueiredo. Aquele é o verdadeiro tipo do carioca: nunca está satisfeito. Aposto que vem fazer alguma reclamação.

    • Cena III –

O Gerente, Figueiredo

Figueiredo – Ó seu Lopes, olhe que, se isto continuar assim, eu mudo-me!

O Gerente (À parte) – Que dizia eu?

Figueiredo – Esta vida de hotel é intolerável! Eu tinha recomendado ao criado que me levasse o café ao quarto às sete horas, e hoje...

O Gerente – O meliante lhe apareceu um pouco mais tarde.

Figueiredo – Pelo contrário. Faltavam dez minutos para as sete... Você compreende que isso não tem lugar.

O Gerente – Pois sim, mas...

Figueiredo – Perdão ;eu pedi o café para as sete e não para as seis e cinqüenta!

O gerente – Hei de providenciar.

Figueiredo – E que idéia foi aquela ontem de darem lagostas ao almoço?

O Gerente – Homem, creio que lagosta...

Figueiredo – É um bom petisco, não há dúvida, mas faz-me mal!

O Gerente – Pois não coma!

Figueiredo – Mas eu não posso ver lagostas sem comer!

O Gerente – Não é justo por sua causa privar os demais hóspedes.

Figueiredo – Felizmente até agora não sinto nada no estômago... É um milagre! E Sexta-feira passada? Apresentaram-me ao jantar maionese. – Maionese! Quase

atiro com o prato à cara do criado!

O Gerente – Mas comeu!

Figueiredo – Comi, que remédio! Eu posso lá ver maionese sem comer? Mas foi uma coisa extraordinária não ter tido uma indigestão!...

    • Cena IV –

Os mesmos, Lola

Lola( Entrando arrebatadamente da esquerda.) – Bom dia! (Ao gerente.) Sabe me dizer se o Gouveia está?

O Gerente – O Gouveia?

Lola – Sim, o Gouveia – um cavalheiro que está aqui morando desde a semana passada.

O Gerente ( Indiscretamente) – Ah! O jogador... (Tapando a boca) Oh!... Desculpe!...

Lola – O jogador, sim, pode dizer! Por ventura o jogo é hoje um vício inconfessável?

O Gerente – Creio que esse cavalheiro está no seu quarto; pelo menos ainda o não vi descer.

Lola – Sim, o Gouveia é jogador, e essa é a única razão que me faz gostar dele.

O Gerente – Ah! A senhora gosta dele?

Lola – Se gosto dele? Gosto, sim, senhor! Gosto, e hei de gostar, pelo menos enquanto der a primeira dúzia!

O gerente (Sem entender) – Enquanto der...

Lola - Ele só aponta nas dúzias – ora na primeira, ora na segunda, ora na terceira, conforme o palpite. Há perto de um mês que está apontando na primeira.

Figueiredo (À parte.) – É um jogador das dúzias!

Lola – Enquanto der a primeira, amá-lo-ei até o delírio!

Figueiredo – A senhora é franca!

Lola – Fin de siècle, meu caro senhor, fin de siècle.

Valsa

Eu tenho uma grande virtude:

Sou franca, não posso mentir!

Comigo somente se ilude

Quem mesmo se queira iludir!

Porque quando apanho um sujeito

Ingênuo, simplório, babão,

Necessariamente aproveito,

Fingindo por ele paixão!

Engolindo a pílula,

Logo esse imbecil!

Põe-se a fazer dívidas

E loucuras mil!

Quando enfim, o mísero

Já nada mais é,

Eu sem dó aplico-lhe

Rijo pontapé!

Eu tenho uma linha traçada,

E juro que não me dou mal...

Desfruto uma vida folgada

E evito morrer no hospital.

Descuidosa,

Venturosa,

Com folias

Sem amar,

Passo os dias

A folgar!

Só conheço as alegrias,

Sem tristezas procurar!

Eu tenho uma grande virtude, etc...

Mas vamos, faça o favor de indicar-me o quarto do Gouveia.

O Gerente – Perdão, mas a senhora não pode lá ir.

Lola – Por quê?

O Gerente – Aqui não há disso...

Figueiredo – (À parte) – Toma!

O Gerente – Os nossos hóspedes solteiros não podem receber nos quartos senhoras que não estejam acompanhadas.

Lola – Caracoles! Sou capaz de chamar o Lourenço para acompanhar-me.

O Gerente – Quem é o Lourenço?

Lola – O meu cocheiro. Ah! Mas que lembrança a minha! Ele não pode abandonar a caleça!

O Gerente – O que a senhora deve fazer é esperar no salão. Um belo salão, vai ver, com um plafond pintado pelos nossos primeiros artistas!

Lola – Onde é?

O Gerente (Apontando para a direita.) – Ali.

Lola – Pois esperá-lo-ei. Oh! Estes prejuízos! Isto só se vê no Rio de Janeiro!... (Vai a sair e lança um olhar brejeiro a Figueiredo.)

Figueiredo – Deixe-se disso, menina! Eu não jogo na primeira dúzia! (Lola sai pela direita.)

    • Cena V –

O Gerente, depois o Chasseur

O Gerente – Oh! Sr. Figueiredo! Não se trata assim uma mulher bonita!...

Figueiredo – Não ligo importância a esse povo.

O Gerente – Sim, eu sei... é como a lagosta... Faz-lhe mal, talvez, mas atira-se-lhe que...

Figueiredo – Está engasgado. Essas estrangeiras não têm o menor encanto para mim.

O Gerente – Não conheço ninguém mais pessimista que o senhor.

Figueiredo – Fale-me de uma trigueira... bem trigueira, bem carregada...

O Gerente – Uma mulata?

Figueiredo – Uma mulata, sim! Eu digo trigueira por ser menos rebarbativo. Isso é que é nosso, é o que vai com o nosso temperamento e o nosso sangue! E quanto

mais dengosa for a mulata, melhor! Ioiô, eu posso? Entrar de caixeiro, sair como sócio?... Você já esteve na Bahia, seu Lopes?

O Gerente – Ainda não. Mas com licença: vou mandar chamar o tal Gouveia. (Chamando.)

Chasseur. (Entra da direita um menino fardado.) Vá ao quarto nΊ 135 e diga ao hóspede que está uma senhora no salão à sua espera. ( O menino sai a

correr pela escada.)

Figueiredo – Chasseur! Pois não havia uma palavra em português para...

O Gerente – Não havia, não senhor. Chasseur não tem tradução.

Figueiredo – Ora essa! Chasseur é...

O Gerente – É caçador, mas chasseur de hotel não tem equivalente. O Grande Hotel da

Capital Federal é o primeiro no Brasil que se dá ao luxo de ter um chasseur! –

Mas como ia dizendo... a Bahia?...

Figueiredo – Foi lá eu tomei predileção pelo gênero. Ah, meu amigo! É preciso conhecê-las! Aquilo é que são mulatas! No Rio de Janeiro não as há!

O Gerente – Perdão, mas eu tenho visto algumas que...

Figueiredo – Qual! Não me conte histórias. – Nós não temos nada! Mulatas na Bahia!...

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