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CENA VIII

(Os mesmos, menos Varville) .

PRUDÊNCIA Como você é áspera com o bar.

MARGARIDA Ele é um cacete. Vive me oferecendo um pecúlio.

OLÍMPIA E ainda se queixa! Quem me dera que fizesse o mesmo comigo!

SAINT-GAUDENS É muito lisonjeiro para mim, o que você está dizendo.

OLÍMPIA Não meta na conversa a sua colher torta, meu caro. Não é com você que eu estou falando ....

MARGARIDA Vamos, sirvam-se! Comam, bebam e discutam mas só a conta para depois fazerem as pazes.

OLÍMPIA (À Margarida). Sabe o que ele me deu no dia dos meus anos?

MARGARIDA Quem?

OLÍMPIA Saint-Gaudens.

MARGARIDA Não.

OLÍMPIA Um cupê.

SAINT-GAUDENS Do Binder.

OLÍMPIA É, mas não consegui que me desse os cavalos.

PRUDÊNCIA Enfim, um cupê, é sempre um cupê.

OLÍMPIA Mas sem a parelha, só se eu mesma o puxasse. Seria muito bonito.

SAINT-GAUDENS Estou arruinado, goste de mim como eu sou.

OLÍMPIA Pois sim! Não faltava mais nada!

PRUDÊNCIA (Apontando um prato). Que bichinhos são esses?

GASTÃO Perdizes.

PRUDÊNCIA Me dê uma.

GASTÃO Ah! Com ela é uma perdiz de cada vez! Que belo garfo! Será que foi ela que arruinou Saint-Gaudens?

PRUDÊNCIA Ela! Ela! Isso são modos de falar a uma senhora? No meu tempo...

GASTÃO Ah! Vai começar a falar de Luís XV. Margarida, faça Armando beber; está triste como uma canção.

MARGARIDA Vamos, senhor Armando, à minha saúde!

TODOS À saúde de Margarida!

PRUDÊNCIA Por falar em canção e se a gente cantasse uma?

GASTÃO Sempre as velhas tradições... Tenho certeza de que Prudência já se apaixonou por um tenor…

PRUDÊNCIA Basta, moço.

GASTÃO Cantar e comer é um absurdo.

PRUDÊNCIA Pois eu gosto; espairece. Vamos Margarida, cante a Canção de Philogène, um poeta que faz versos.

GASTÃO O que queria que ele fizesse?

PRUDÊNCIA Que faz versos a Margarida... a sua especialidade. Vamos, a canção?

GASTÃO Em nome de minha geração, eu protesto!

PRUDÊNCIA Então vamos por votos! (Todos levantam a mão, menos Gastão). Ganhou a canção. Dê o bom exemplo às minorias, Gastão.

GASTÃO Vá lá. Mas eu não gosto dos versos de Philogène. Já que me obrigam, prefiro cantar, (Canta).

GASTÃO (Tornando a se sentar). A verdade é que a vida é boa e Prudência é gorda.

OLÍMPIA É isso, há trinta anos.

PRUDÊNCIA Vamos acabar com essa brincadeira... Que idade pensam que eu tenho?

OLÍMPIA Uns quarenta anos bem batidos.

PRUDÊNCIA Essa agora é boa! Fiz trinta e cinco o ano passado.

GASTÃO Portanto, trinta e seis este ano… Vejam só! Ninguém lhe daria mais que uns quarenta, palavra de honra!

MARGARIDA A propósito de idade, me diga uma coisa Saint-Gaudens me contaram uma estória a seu respeito …

OLÍMPIA E a mim também

SAINT-GAUDENS Que estória?

MARGARIDA De um fiacre amarelo.

OLÍMPIA Pois é verdade.

PRUDÊNCIA Quer me passar a lagosta?

GASTÃO Credo! Prudência tem um estômago de avestruz.

PRUDÊNCIA Por acaso, é proibido comer?

GASTÃO Vamos, a estória do fiacre amarelo.

OLÍMPIA Fiquem sabendo meus amigos, que este imprestável que vocês estão vendo, até hoje não me deu um tostão de pecúlio...

SAINT-GAUDENS Calma. de meu tio.

OLÍMPIA Seus tio! Essa é boa!... Como se na sua idade ainda se pudesse ser sobrinho de alguém! Que tio é esse? O judeu errante?

SAINT-GAUDENS Quem sabe?

GASTÃO Então, só vai herdar uns cinco tostões... mau negócio.

OLÍMPIA Afinal, querem ou não querem ouvir a estória do fiacre amarelo?

GASTÃO Queremos, mas espere um pouco que eu vou sentar perto de Margarida Prudência está muito cacete.

PRUDÊNCIA Oh! Que moço, bem educado!

MARGARIDA Vamos, Gastão, fique quieto.

SAINT-GAUDENS—Que ceia excelente!

OLÍMPIA (A Saint-Gaudens. Eu te conheço! Está vendo se escapa da estória do fiacre.

MARGARIDA Amarelo.

SAINT-GAUDENS Eu? Que me importa!

OLÍMPIA Pois bem! Imaginem que Saint-Gaudens estava apaixonado por Amanda.

GASTÃO Já estou ficando comovido, preciso dar um, beijo em Margarida.

OLÍMPIA Tenha modos, Gastão.

GASTÃO Olímpia está furiosa porque eu lhe estraguei o efeito.

MARGARIDA E tem razão. Você hoje está mais cacete do que Varville, por isso vai ficar de castigo como os meninos sem modos.

OLÍMPIA Isso! Vá já para o canto.

GASTÃO Com uma condição; no fim, cada um' tem de me dar um beijo.

MAGARIDA Prudência faz a coleta e depois te beija por nós todas.

GASTÃO Não, assim não! Quero um beijo dei cada uma.

OLÍMPIA Está bem, vá lá! Agora vá se sentar bem quietinho. Um dia, ou melhor, uma noite.

GASTÃO (Tocando Malbrough no piano). Está desafinado, este piano.

MARGARIDA Não lhe dêem confiança.

GASTÃO Que estória mais cacete!

SAINT-GAUDENS Gastão tem razão

GASTÃO Depois, para que toda essa estória? Para provar que Amanda enganava Saint-Gaudens. Mas quem é que ainda não foi enganado, Estamos cansados de saber que somos sempre enganados pelos amigos e pelas amantes. Isso é velho como a Sé e... como Prudência.

MARGARIDA Saint-Gaudens é um herói, um brinde a Saint-Gaudens, (Bebe). Nós todas vamos ficar loucas por Saint-Gaudens. Quem não estiver louca por Saint-Gaudens levante a mão… Que unanimidade !... Viva Saint-Gaudens! Gastão, toque qualquer coisa para Saint-Gaudens dançar.

GASTÃO Só sei uma polca.

MARGARIDA Pois que venha a polca! Vamos, Saint-Gaudens e Armando, arrastem a mesa.

PRUDÊNCIA Mas eu ainda não acabei .

OLÍMPIA Gente! Ela disse "Armando."

GASTÃO (Tocando). Depressa, que já está chegando o pedaço em que eu me atrapalho.

OLÍMPIA O que? Eu é que vou dançar com Saint-Gaudens?

MARGARIDA Não, sou eu... Venha meu querido Saint-Gaudens, vamos.

OLÍMPIA Vamos, Armando, vamos. (Margarida dança um pouco e de repente pára).

SAINT-GAUDENS O que você tem?

MARGARIDA Falta de ar.

ARMANDO (Aproximando-se). A senhora está sentindo-se mal?

MARGARIDA Oh! Não é nada; vamos.

SAINT-GAUDENS Então, vamos. (Ela começa e torna a parar).

ARMANDO Pare, Gastão.

PRUDÊNCIA Margarida não está bem.

MARGARIDA Um copo d'água, por favor.

PRUDÊNCIA O que você tem?

MARGARIDA A mesma coisa, sempre. Não é nadas estou dizendo. Vão fumar um pouco na outra sala. Eu já vou.

PRUDÊNCIA Vamos, quando isso acontece ela prefere ficar só, não é nada.

MARGARIDA Vão, eu não demoro.

PRUDÊNCIA Venham! (À parte). Não há meio da gente se divertir, nesta casa.

ARMANDO Pobre moça!

CENA IX

(Margarida só).

MARGARIDA Ah!... (Olha-se no espelho). Como estou pálida!… Ah! (Esconde o rosto nas mãos e se apoia na lareira, com os cotovelos).

CENA X

(Margarida e Armando).

ARMANDO Então? Como está se sentido?

MARGARIDA Ah! É o senhor? Estou melhor, obrigada... Aliás, já me acostumei.

ARMANDO Está se matando... Quem me dera ser seu amigo, seu parente, para não a deixar fazer o que está fazendo.

MARGARIDA Não ia conseguir nada. Pronto, vamos!... Mas que é que há?

ARMANDO Não posso continuar vendo isso.

MARGARIDA Como o senhor é bom... Veja! Os outros nem se incomodam!

ARMANDO Os outros não gostam da senhora, como eu gosto.

MARGARIDA Ah! É verdade, ia me esquecendo desse grande amor.

ARMANDO Está achando graça?

MARGARIDA Deus me livre! Ouço a mesma coisa todos os dias, já não acho mais graça.

ARMANDO Pois seja! Mas será que este amor não merece uma promessa?

MARGARIDA Que promessa?

ARMANDO De se tratar.

MARGARIDA Me tratar… Será que é possível?

ARMANDO Por que não?

MARGARIDA Mas se eu me tratasse, eu morreria, meu amigo. O que ainda me sustenta é a agitação da vida que levo. Me tratar... Isso é bom para as moças de sociedade, as que têm família e amigos: mas nós, quando não servimos mais, nem para o prazer nem para a vaidade de ninguém, somos postas de lado. E às noites sem fim, sucedem os dias sem fim; eu sei disso, estive de cama dois meses, depois de três semanas, ninguém mais vinha me ver.

ARMANDO Eu sei que não significo nada para a senhora... mas se quisesse, Margarida, eu a tratava como um irmão, ficava sempre ao seu lado e havia de curá-la. Quando as forças voltassem, podia, se quisesse, retornar à vida que leva; mas tenho certeza de que então, ia preferir uma existência mais calma.

MARGARIDA Fica sempre terno, quando bebe?

ARMANDO Você não tem coração, Margarida?

MARGARIDA Coração... É a única ameaça de naufrágio na travessia que estou fazendo.

ARMANDO .Não tem coração, diga?

MARGARIDA Quem sabe? Tudo é possível. Mas por que está perguntando?

ARMANDO Porque se tiver coração, ou se for compreensiva, não pode rir do que estou falando.

MARGARIDA Então é sério?

ARMANDO Muito sério.

MARGARIDA Quer dizer que Prudência não me enganou, o senhor é mesmo sentimental.

ARMANDO É ridículo, não é?

MARGARIDA Depende da pessoa. Então, cuidaria de mim?

ARMANDO Cuidaria.

MARGARIDA Ficaria ao meu lado o dia inteiros.

ARMANDO O dia inteiro, até que me mandasse embora.

MARGARIDA E chama a isso?

ARMANDO Dedicação!

MARGARIDA E donde vem essa dedicação?

ARMANDO Da simpatia irresistível que sinta por você.

MARGARIDA Desde quando?

ARMANDO Há dois anos. Desde um dia em que passou por mim, bela, altiva e risonha. Desde esse dia sigo sua vida de longe, em silêncio.

MARGARIDA E por que só hoje está me dizendo tudo isso?

ARMANDO Eu não a conhecia, Margarida

MARGARIDA Devia ter procurado me conhecer Por que foi que quando estive doente, e veio saber de mim com tanta assiduidade, por que foi que não subiu?

ARMANDO Com que direito?

MARGARIDA Será que uma mulher como eu, pode constranger alguém?

ARMANDO Uma mulher sempre nos constrange... depois...

MARGARIDA Depois...

ARMANDO Tinha medo de você, da influência que poderia exercer em minha vida. A prova disso e a emoção que senti esta noite, vendo o estado em que se encontra.

MARGARIDA Então, está apaixonado por mim?

ARMANDO Hoje não lhe quero dizer.

MARGARIDA Então não me diga nunca.

ARMANDO Por que?

MARGARIDA Porque só podem resultar duas coisas dessa confissão: ou não a levo a sério e fica-me querendo mal ou a levo a sério e neste caso sairá ganhando a companhia triste de uma mulher nervosa, doente, melancólica ou alegre, mas de uma alegria ainda mais soturna que a tristeza. Uma mulher que gasta 100.000 francos por ano isso bom para um velho rico como o duque, não para um moço, como você. Mas isso tudo é bobagem! Me dê a mão e vamos para a sala. Ninguém precisa saber do que estivemos falando.

ARMANDO Se quiser, vá mas peço-lhe que me deixe ficar.

MARGARIDA Por que?

ARMANDO Porque sua alegria me faz mal.

MARGARIDA Quer que lhe dê um conselho?

ARMANDO Pois não.

MARGARIDA Se é verdade o que me disse, vá-se embora, fuja; ou então goste de mim apenas como amigo. Venha me ver de vez em quando, havemos de rir, de conversar, mas não exagere o que valho, pois não valho grande coisa. Seu coração é bom e você precisa de afeição; é muito moço, e muito sensível para viver no nosso meio. Goste de outra mulher e então se case. Está vendo, sou uma moça sensata e estou sendo franca.

CENA XI

(Os mesmos, Prudência).

PRUDÊNCIA (Entreabrindo a porta). Ah! Que diabo estão fazendo aí?

MARGARIDA Raciocinando; um momento ainda, Prudência nós já vamos.

PRUDÊNCIA Estejam à vontade!

CENA XII

(Margarida e Armando).

MARGARIDA Então, está combinado, não vai mais gostar de mim.

ARMANDO Vou viajar, sigo o seu conselho.

MARGARIDA É a esse ponto?

ARMANDO É...

MARGARIDA Quantos já me disseram o mesmo e não partiram.

ARMANDO De certo você os prendeu.

MARGARIDA Palavra, que não.

ARMANDO Então nunca se apaixonou por ninguém?

MARGARIDA Graças a Deus, nunca!

ARMANDO Obrigado!

MARGARIDA De que?

ARMANDO Do que acaba de dizer; nada podia me alegrar tanto.

MARGARIDA Que homem esquisito!

ARMANDO E se eu lhe contasse, Margarida, que já passei noites e noites debaixo de sua janela, que há seis meses guardo um botãozinho perdido de sua luva...

MARGARIDA Eu não acreditava.

ARMANDO Tem razão, é um disparate... ria de mim, é o melhor que tem a fazer Adeus.

MARGARIDA Armando!

ARMANDO Você me chamou?

MARGARIDA Não quero que se vá embora zangado.

ARMANDO Zangado com você? É impossível!

MARGARIDA Diga, há um pouco de verdade em tudo o que me disse?

ARMANDO Por que está perguntando?

MARGARIDA Se é assim, aperte minha mão, venha me ver de vez em quando, venha sempre...

para falarmos nisso.

ARMANDO É demais o que me oferece e ainda não é o bastante.

MARGARIDA Então meu amigo, faça o seu pedido, peça o que quiser, pois pelo que parece, sou eu que estou lhe devendo alguma coisa.

ARMANDO Não diga isso. Não quero mais que brinque com coisas sérias.

MARGARIDA Não estou brincando mais.

ARMANDO Então, responda...

MARGARIDA O que?

ARMANDO Você quer ser amada?

MARGARIDA Conforme. Por quem?

ARMANDO Por mim.

MARGARIDA E depois?

ARMANDO Com um amor profundo, eterno?

MARGARIDA Eterno?

ARMANDO Eterno.

MARGARIDA E se de repente eu acreditasse, o que ia dizer de mim?

ARMANDO Que é um anjo !

MARGARIDA Não, ia dizer o que todo o mundo diz. Mas que me importa? Como tenho menos tempo de vida que os outros, preciso viver mais depressa. Mas fique tranqüilo eterno que seja o seu amor e curta que seja a minha vida, será sempre mais longa do que a sua paixão.

ARMANDO Margarida!

MARGARIDA Mas neste momento está comovido, sua voz é sincera, acredita no que está dizendo. Tudo isso merece uma recompensa... Tome esta flor…

ARMANDO Para que?

MARGARIDA Para que me devolva.

ARMANDO Quando?

MARGARIDA Quando murchar.

ARMANDO E quanto tempo leva para murchar?

MARGARIDA O tempo que leva toda flor: uma] tarde, uma manhã.

ARMANDO Ah! Margarida! Como sou feliz !

MARGARIDA Então, diga que gosta de mim, mais uma vez.

ARMANDO Eu te amo!

MARGARIDA E agora, adeus.

ARMANDO (Recuando). Adeus. (Volta, beija-lhe a mão ainda uma vez e sai. Risos nos bastidores).

CENA XIII

(Margarida, Gastão, Saint-Gaudens, Olímpia e Prudência).

MARGARIDA (Margarida sozinha, olhando a porta fechada). Por que não? Para que? E entre essas duas frases minha vida vai e vem.

GASTÃO (Entreabrindo a porta). Coro dos aldeões (Canta).

SAINT-GAUDENS Como está divertido (Dança). (No fim do ato Prudência põe na cabeça um chapéu de homem e Gastão um chapéu de mulher, etc., etc. …) .

ATO II

(Quarto de Margarida. Uma porta ao fundo; à direita uma porta disfarçada, coberta por um Quadro; no primeiro plano, sempre do mesmo lado, uma mesa de "toilette", estilo Pompadour; à esquerda uma sacada e no primeiro plano, uma lareira; poltronas e cadeiras).

CENA I

(Margarida, Nanine e Prudência) .

MARGARIDA O duque?

PRUDÊNCIA Estive.

MARGARIDA E ele deu a você?

PRUDÊNCIA Está aqui. Será que podia me emprestar uns 300 ou 400 francos?

MARGARIDA Pronto. Disse Com idéia do ir para o campo?

PRUDÊNCIA Disse.

MARGARIDA E o que foi que ele achou?

PRUDÊNCIA Que você tem razão, que só lhe pode fazer bem... Vai mesmo?

MARGARIDA Espero que sim... Ainda hoje fui ver a casa.

PRUDÊNCIA Quanto é o aluguel?

MARGARIDA Dois mil francos.

PRUDÊNCIA Amor a quanto obrigas!

MARGARIDA Estou com medo, Prudência; quem sabe é uma paixão? Ou será um capricho? O que eu sei é que é alguma coisa...

PRUDÊNCIA Ele veio ontem?

MARGARIDA Ainda pergunta?

PRUDÊNCIA E volta hoje?

MARGARIDA Deve estar chegando.

PRUDÊNCIA Eu sei muito bem! Ficou lá em casa umas três ou quatro horas...

MARGARIDA E falou em mim?

PRUDÊNCIA Não fez outra coisa.

MARGARIDA O que foi que ele disse?

PRUDÊNCIA Que está louco por você.

MARGARIDA Faz tempo que o conhece?

PRUDÊNCIA Faz.

MARGARIDA Alguma vez já o viu apaixonado?

PRUDÊNCIA Não, nunca.

MARGARIDA Palavra de honra?

PRUDÊNCIA Palavra !

MARGARIDA Se soubesse que coração grande ele tem, como fala na mãe e na irmã!

PRUDÊNCIA É uma pena que os moços como ele não tenham cem mil libras de renda!

MARGARIDA Pelo contrário, é uma sorte! S° assim podem acreditar que é deles mesmo que a gente gosta. (Pega na mão de Prudência e a põe sobre o peito). Está vendo?

PRUDÊNCIA O que?

MARGARIDA Como está batendo, não vê?

PRUDÊNCIA E por que é que está batendo?

MARGARIDA Porque são dez horas e ele vai chegar.

PRUDÊNCIA Já está nesse estado? Vou me pondo ao fresco. Se isso pega é um perigo.

MARGARIDA Vai abrir, Nanine.

NANINE Não bateram.

MARGARIDA Bateram sim.

CENA II

(Prudência e Margarida).

PRUDÊNCIA Minha filha, vou rezar por você!

MARGARIDA Por que?

PRUDÊNCIA Porque está correndo perigo.

MARGARIDA Quem sabe?

CENA III

(Os mesmos e Armando).

ARMANDO Margarida.

MARGARIDA Eu sabia que ele tinha batido.

PRUDÊNCIA Não me diz boa noite, ingrato?

ARMANDO Perdão, Prudência. Como vai?

PRUDÊNCIA Bem, meus filhos, já estava de saída. Tenho alguém me esperando, lá fora. Até já. (Sai).

CENA IV

(Armando e Margarida).

MARGARIDA Vamos! Venha para perto de mim.

ARMANDO Estou aqui.

MARGARIDA Gosta de mim do mesmo jeito?

MARGARIDA Como?

ARMANDO Gosto mil vezes mais

MARGARIDA Hoje, o que foi que você fez?

ARMANDO Estive com Prudência, Gustavo e Nichette; estive em toda a parte em que se podia falar em Margarida.

MARGARIDA E de noite?

ARMANDO Meu pai escreveu dizendo que estava me esperando em Tours, respondi que não valia a pena ficar à minha espera. Será que estou com jeito de quem vai para Tours?

MARGARIDA No entanto, não deve se indispor com ele .

ARMANDO Não tem perigo. E você o que

MARGARIDA Eu? Pensei em ti.

ARMANDO De verdade?

MARGARIDA De verdade. E fiz muitos projetos.

ARMANDO Fez mesmo?

MARGARIDA Fiz.

ARMANDO Me conte quais.

MARGARIDA Mais tarde!

ARMANDO Por que não agora,

MARGARIDA Porque agora ainda não gosta de mim como é preciso; quando eles se realizarem então eu conto; por enquanto basta saber que é em você que eu andei pensando.

ARMANDO Em mim?

MARGARIDA É, em você, de quem eu gosto tanto.

ARMANDO Vamos, diga o que?

MARGARIDA Para que?

ARMANDO Eu estou pedindo.

MARGARIDA Acha que posso guardar algum segredo de você?

ARMANDO Então diga.

MARGARIDA Eu imaginei um plano.

ARMANDO Que plano?

MARGARIDA Não posso contar; só posso contar o resultado que ele deve ter.

ARMANDO E que resultado deve ter?

MARGARIDA Você gostaria de passar o verão no campo comigo?

ARMANDO Ainda pergunta?

MARGARIDA Bravo! Se o meu plano der certo, e tem que dar, daqui a quinze dias estou livre; não devo mais nada a ninguém e vamos juntos passar o verão no campo.

ARMANDO E não pode me dizer de que jeito?

MARGARIDA Não; mas veja se me pode amar como eu te amo que tudo há de dar certo.

ARMANDO E foi sozinha que descobriu esse plano, Margarida?

MARGARIDA Por que está falando assim comigo?

ARMANDO Responda, Margarida!

MARGARIDA Foi sozinha... sim.

ARMANDO E é sozinha que vai executá-lo?

MARGARIDA (Hesitando). Sozinha.

ARMANDO Você já leu "Manon Lescaut", Margarida?

MARGARIDA Já, o livro está lá na sala.

ARMANDO O que acha de Des Grieux?

MARGARIDA Por que está perguntando?

ARMANDO Porque uma vez Manon também descobriu um plano, extorquir dinheiro do Sr. B. para gastá-lo com Des Grieux. Você tem mais coração do que ela Margarida e eu mais lealdade do que ele.

MARGARIDA O que quer dizer com isso?

ARMANDO Que se o seu plano é desse gênero, eu não aceito.

MARGARIDA Está certo, Armando, não falamos mais nisso … Que dia lindo fez hoje, não fez 7

ARMANDO Fez. Lindo.

MARGARIDA Havia muita gente nos Campos Elíseos?

ARMANDO Muita.

MARGARIDA Decerto o tempo vai ficar firme até a mudança da lua, não é verdade?

ARMANDO Que me importa a lua!

MARGARIDA Então o que quer que eu fale? Quando digo que te amo e te dou prova disso, fica todo empertigado. O melhor mesmo é falar na lua.

ARMANDO O que você quer, Margarida? Tenho ciúme até de seus pensamentos. O que me propôs ainda há pouco...

MARGARIDA Oh! Não torne a falar nisso!

ARMANDO Torno sim, torno a falar… Escute! O que me propôs ainda há pouco ia me deixando louco de alegria; mas o mistério que está envolvendo esse projeto?

MARGARIDA Vamos, veja se consegue raciocinar… você gosta de mim e tinha vontade de passar uns dois ou três meses comigo, num canto qualquer, longe de Paris...

ARMANDO É claro que tinha.

MARGARIDA Pois eu também gosto de você e não quero outra coisa; mas para isso é preciso o que eu não tenho. Você não sente ciúme do duque, não é mesmo? Sabe como é puro o sentimento que ele tem por mim então, me deixe fazer o que eu quero.

ARMANDO É que...

MARGARIDA Vamos, eu te amo, está combinado?

ARMANDO Mas...

MARGARIDA (Interrompendo-o). Está combinado, vamos?

ARMANDO Ainda não.

MARGARIDA Então venha me ver amanhã para resolvermos.

ARMANDO Como, venha me ver amanhã? Está me mandando embora?

MARGARIDA Ai, ai, ai! Lá vem você de novo!

ARMANDO Margarida, você está me enganando!

MARGARIDA Há quanto tempo eu te conheço?

ARMANDO Há quinze dias.

MARGARIDA O que me obrigava te receber?

ARMANDO Nada.

MARGARIDA Se eu não te amasse, tinha o direito de te mandar embora como faço com Varville e os outros, não tinha?

ARMANDO É claro.

MARGARIDA Então, querido, deixa-te amar não te queixes!

ARMANDO Perdão, me perdoe.

MARGARIDA Desse jeito, vou passar a vida te perdoando.

ARMANDO Não, é a última vez. Pronto! Vou me embora.

MARGARIDA É está na hora. Volte amanhã ao meio-dia almoçamos juntos.

ARMANDO Então, até amanhã.

MARGARIDA Até amanhã !

ARMANDO Ao meio-dia !

MARGARIDA Ao meio-dia.

ARMANDO Jura?

MARGARIDA O que?

ARMANDO Que não está esperando ninguém.

MARGARIDA Outra vez! Juro que te amo e a ninguém mais. Não chega?...

ARMANDO Adeus!

MARGARIDA Adeus.

(Armando hesita um pouco e sai).

CENA V

MARGARIDA (Sozinha). Como é estranha vida! Quem diria há oito dias atrás que esse homem que eu nem conhecia, ia se apossar tão depressa do meu coração e pensamento? O que irá acontecerá Para mim um amor de verdade pode ser uma desgraça. Será que ele me ama, será que eu o ama? Nunca me apaixonei por ninguém! Por que sacrificar uma alegria? São tão raras! Por que não se abandonar aos caprichos do coração? Quem sou eu? Uma criatura do acaso! Oh! Deixe pois que o acaso faça de mim o que quiser. Que me importa, parece que nunca me senti tão feliz! Quem sabe é um mau agouro? Estamos prevendo sempre que vão se apaixonar por nós, jamais que vamos nos apaixonar por alguém; e, agora, ao primeiro golpe deste mal imprevisto, não sei o que sou nem onde estou.

CENA VI

(Margarida, Nanine, em

seguida, o Conde).

NANINE (Anunciando). O Sr. conde.

MARGARIDA Boa noite, conde...

O CONDE Boa noite, Margarida. Como vai passando?

MARGARIDA Muito bem.

O CONDE Está frio como diabo! Escreveu-me pedindo que viesse às dez e meia... Como está vendo, sou pontual.

MARGARIDA Temos muito o que conversar, meu amigo.

O CONDE Já ceou?

MARGARIDA Já, por que?

O CONDE Porque se não podíamos cear juntos, enquanto conversávamos.

MARGARIDA Está com fome?

O CONDE Nunca me falta apetite para a ceia. Jantei tão mal no clube!

MARGARIDA O que faziam por lá?

O CONDE Quando eu saí, jogavam.

MARGARIDA Saint-Gandens perdia?

O CONDE Uns 25 luíses mas esbravejava como se fossem 1.000 escudos.

MARGARIDA Uma dessas noites ceou aqui com Olímpia.

O CONDE E quem mais?

MARGARIDA Gastão de Rieux.

O CONDE Conheço.

MARGARIDA Armando Duval.

O CONDE Quem é esse Armando Duval?

MARGARIDA Um amigo de Gastão. Prudência e eu aí estão os convivas... Rimos bastante.

O CONDE Se soubesse tinha vindo. Por falar nisso, ia saindo alguém daqui, agora, há pouco, antes de eu chegar?

MARGARIDA Não, ninguém.

O CONDE É que quando eu ia descendo do carro alguém se aproximou como para ver quem eu era e depois disso afastou-se.

MARGARIDA (À parte). Armando? (Toca a campainha) .

O CONDE Está querendo alguma coisa?

MARGARIDA Preciso falar com Nanine. (A Nanine, baixo). Desça, vá até a rua e, sem que ninguém dê por isso, espie se o Sr. Armando Duval está lá e volte me dizer.

NANINE Sim senhora. (Sai).

O CONDE Sabe de uma novidade?

MARGARIDA Não.

O CONDE Gagouki vai casar.

MARGARIDA O nosso príncipe.

O CONDE Em pessoa.

MARGARIDA Com quem?

O CONDE Adivinhe.

MARGARIDA Eu conheço?

O CONDE Com Adélia.

MARGARIDA Que bobagem dela!

O CONDE Dela não, do príncipe.

MARGARIDA Meu caro, quando um rapaz de sociedade casa com uma moça como Adélia, não é ele quem faz uma tolice, é ela quem faz um mau negócio. O tal polonês além de arruinado tem uma reputação ] vai casar com Adélia por causa das 15 mil libras de renda que vocês foram lhe dando, uns depois dos outros.

NANINE (Entrando). Não senhora, não está.

MARGARIDA E agora, conde vamos falar de coisas sérias...

O CONDE De coisas sérias? Preferia falar de coisas alegres.

MARGARIDA Mais tarde, se aceitar a coisa alegremente.

O CONDE Sou todo ouvidos.

MARGARIDA Por acaso tem dinheiro disponível?

O CONDE Para que?

MARGARIDA Para uma ordem de pagamento.

O CONDE Anda faltando dinheiro por aqui?

MARGARIDA Infelizmente! Preciso de..... 15.000 francos.

O CONDE Oh diabo! Uma quantia respeitável. E por que precisa de 15.000 francos?

MARGARIDA Porque estou devendo.

CONDE E quer pagar os credores?

MARGARIDA E preciso.

CONDE É preciso mesmo?

MARGARIDA É.

O CONDE Então... está feito.

NANINE Um mensageiro acaba de entregar esta carta dizendo que é urgente.

MARGARIDA Quem pode me escrever a esta hora? (Lendo). Armando! O que significa isto? "Não gosto de fazer papel ridículo, mesmo junto da mulher que eu amo… No momento em que eu saía de sua casa, o conde de Giray entrava… Não tenho nem a idade nem o temperamento de Saint

Gauden perdoe-me as culpa que tive, de não ser milionário: e esqueçamos os dois o encontro de um dia e o amor de um instante… Quando receber esta carta já estarei longe de Paris. Armando"!

NANINE Tem resposta?

MARGARIDA Não, diga que está entregue. Pronto lá se foi um belo sonho... Que pena!

O CONDE O que diz a carta?

MARGARIDA Esta carta o fez ganhar 15.00 francos.

O CONDE Ora veja! É a primeira carta que me rende tanto.

MARGARIDA Pois é... não preciso mais ali que estava pedindo.

CONDE São os credores que lhe estão dando quitação? Que amabilidade!

MARGARIDA Não, eu é que estava apaixonada.

O CONDE Margarida Gauthier?

MARGARIDA Em pessoa.

CONDE Por quem, Santo Deus?

MARGARIDA Por um homem que não me queria como acontece às vezes; por um homem sem dinheiro. como acontece sempre.

CONDE Ah! É com amores como esse que pretende se reabilitar dos outros?

MARGARIDA Olhe o que me escreveu. (Dá a carta ao conde).

O CONDE (Rindo). Ora vejam, é o Sr. Duval E ciumento, esse cavalheiro... Agora estou começando a compreender a utilidade das letras de câmbio! Era muito bonito o que ia fazer!

MARGARIDA Você tinha me convidado para cear?

O CONDE Pois o convite está de pé. Você jamais Comerá até 15.000 francos ainda vou sair economizando.

MARGARIDA Então vamos. Preciso tomar um pouco de ar.

O CONDE Parece que a coisa era séria. Está tio agitada!

MARGARIDA Não é nada! (À Nanine). Vá me buscar um xale e um chapéu.

NANINE Qual, minha senhora?

MARGARIDA O chapéu que quiser e um xale leve. (Ao conde). É preciso que nos aceitem como nós somos, meu amigo.

O CONDE Oh! Já estou acostumado com essas coisas.

NANINE A senhora vai sentir frio.

MARGARIDA Não, não vou.

NANINE A senhora quer que a espere?

MARGARIDA Não, vá se deitar, decerto vou chegar tarde... Venha, conde.

CENA VII

(Nanine só) .

NANINE Está acontecendo alguma coisa, a patroa está comovida! Decerto foi a carta que chegou há pouco, que a deixou nesse estado... Ah! Está aqui. (Lê). O Sr. Armando não manda dizer... Há quatro dias nomeado, hoje demitido... Viveu o que vivem as rosa… os políticos. Ora! Sra. Duvernoy!

CENA VIII

(Nanine e Prudência).

PRUDÊNCIA Margarida saiu?

NANINE Saiu agora mesmo.

PRUDÊNCIA E onde é que foi?

NANINE Foi cear.

PRUDÊNCIA Com o conde?

NANINE É sim senhora.

PRUDÊNCIA Não sabe se recebeu uma carta, ainda há pouco?

NANINE Recebeu. Do Sr. Armando.

PRUDÊNCIA E o que foi que disse?

NANINE Nada.

PRUDÊNCIA E vai demorar?

NANINE Vai. Pensei que a senhora já estivesse deitada.

PRUDÊNCIA Estava, estava dormindo. Mas me acordaram com a campainha e tive que ir abrir. (Batem).

NANINE Pode entrar.

UM CRIADO A patroa mandou pedir uma capa. Está com frio.

PRUDÊNCIA Ela está lá em baixo?

UM CRIADO Está sim senhora na carruagem.

PRUDÊNCIA Peça-lhe o favor de subir, diga-lhe que eu estou chamando.

UM CRIADO Mas... está acompanhada.

PRUDÊNCIA Não faz mal, vá depressa!

ARMANDO (De fora). Prudência!

PRUDÊNCIA Meu Deus! Agora é o outro que está impaciente! Oh! Namorado ciumento, é tudo a mesma coisa!

ARMANDO Então?

PRUDÊNCIA Que diabo, espere um pouco! Já o chamo já.

CENA IX

(Os mesmos, Margarida).

MARGARIDA O que você quer de mim, Prudência?

PRUDÊNCIA Armando está lá em casa.

MARGARIDA E o que eu tenho com isso?

PRUDÊNCIA Quer falar com você.

MARGARIDA Para que? Não o quero receber… e nem que eu quisesse o conde está lá em baixo me esperando.

PRUDÊNCIA Eu é que não vou dar esse recado. Não pode imaginar em que estado ele está. Ia desafiar o conde, na mesma hora.

MARGARIDA Mas o que é que ele quer?

PRUDÊNCIA Eu sei lá? Ele sabe lá? Nós é que sabemos o que é um homem apaixonado.

NANINE A senhora quer a capa?

MARGARIDA Ainda não.

PRUDÊNCIA Vamos? O que decidiu?

MARGARIDA Esse rapaz ainda vai fazer a minha infelicidade.

PRUDÊNCIA Então não fale mais com ele. E melhor que as coisas fiquem como estão.

MARGARIDA Você acha?

PRUDÊNCIA É claro!

MARGARIDA E o que mais que ele disse?

PRUDÊNCIA Confesse, está com vontade de vê-lo Vou chamá-lo. E o conde?

MARGARIDA O conde que espere.

PRUDÊNCIA Era melhor despedir o conde, já uma vez.

MARGARIDA Tem razão… Nanine, desça diga ao Sr. de Giray que estou me sentindo mal, e que não vou mais cear ele que me desculpe.

NANINE Sim, senhora.

PRUDÊNCIA (Na janela). Armando, pode vir! Ah! Não será preciso dizer duas vezes...

MARGARIDA Não vá embora, fique aqui.

PRUDÊNCIA Eu não... Prefiro ir por mim do que esperar que me mandem...

NANINE (Entrando). O Sr. conde já foi.

MARGARIDA E não disse nada?

NANINE Não senhora, mas estava com uma cara!

Partes: 1, 2, 3, 4


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