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CENA II

(Os mesmos, Armando).

SAINT-GAUDENS Não está mais jogando?

GASTÃO Não.

SAINT-GAUDENS (Mostrando, ao fundo, dois jogadores de "écarte"). Vamos apostar no jogo daqueles cavalheiros?

GASTÃO Não me arrisco. São seus convidados.

SAINT-GAUDENS Não. São convidados de Olímpia. Ela os conheceu no estrangeiro.

GASTÃO Que caras, hein?

PRUDÊNCIA Vejam! Olha o Armando!

GASTÃO (A Armando). Ainda há pouco falamos de você.

ARMANDO E o que foi que disseram?

PRUDÊNCIA Dissemos que você estava em Tours e por isso não podia vir.

ARMANDO Pois se enganaram, meus amigos!

GASTÃO Faz tempo que chegou?

ARMANDO Há uma hora, mais ou menos.

PRUDÊNCIA E então, Armando o que conta de novo?

ARMANDO Nada, Prudência, e você?

PRUDÊNCIA Tem visto Margarida?

ARMANDO Não.

PRUDÊNCIA Ela deve vir.

ARMANDO Muito bem! Então vou ter o prazer de vê-la.

PRUDÊNCIA Que modo de falar!

ARMANDO Como que você quer que eu fale?

PRUDÊNCIA E o coração, está curado?

ARMANDO Completamente! Se não, acha que eu estaria aqui?

PRUDÊNCIA E não pensa mais nela?

ARMANDO Se dissesse que não estaria mentindo; mas felizmente sou desses homens que dançam conforme a música... Margarida me despediu de uma tal maneira, que percebi que fui um idiota me apaixonando daquele jeito. Pois gostei muito dela, mesmo.

PRUDÊNCIA Ela também gostou muito de você e ainda gosta um pouco mas o que você quer? Já estava a ponto de vender o que tinha!

ARMANDO E agora, está tudo pagos?

PRUDÊNCIA Integralmente.

ARMANDO E foi Varville quem pagou as dívidas?

PRUDÊNCIA Foi.

ARMANDO Então, está tudo bem.

PRUDÊNCIA Há homens que nasceram para isso. Enfim ele chegou onde queria. Resgatou os cavalos, as jóias e devolveu-lhe todo o luxo de antes... Que ela tem sorte, isso tem!

ARMANDO E agora está de novo em Paris?

PRUDÊNCIA Claro... Depois que você partiu não quis mais voltar a Auteuil. Eu é que fui buscar as coisas dela, e as suas também. Por falar nisso. está tudo lá em casa, à sua disposição. Quando quiser pode mandar buscar. Está faltando apenas uma carteirinha com as suas iniciais, que ficou com Margarida; mas querendo, posso pedir.

ARMANDO (Comovido). Que fique com ela!

PRUDÊNCIA Aliás, nunca a vi assim nesse estado quase não dorme, vive pelos bailes, passa as noites em claro. ultimamente, depois de uma cela, ficou três dias de cama e assim que o médico lhe deu licença para se levantar, recomeçou tudo, com risco de vida. Se continuar desse jeito, não vai muito longe. Pretende visitá-la?

ARMANDO Não. Pretendo evitar qualquer explicação. O passado morreu. Que Deus tenha a sua alma.

PRUDÊNCIA Sim senhor! Que bons propósitos! Antes assim!

ARMANDO (Avistando Gustavo). Ah! Aí vem um dos meus amigos, com quem preciso falar, com licença, Prudência.

PRUDÊNCIA Esteja à vontade ! (Vai à mesa de jogo). Jogo 10 francos!

CENA III

(Os mesmos, Gustavo).

ARMANDO Afinal, recebeu minha carta?

GUSTAVO Recebi e aqui estou.

ARMANDO Decerto ficou intrigado com o meu pedido estas festas não estão nos seus hábitos.

GUSTAVO De fato.

]

ARMANDO Faz muito tempo que não vê Margarida?

GUSTAVO Faz; desde aquele dia em que almoçamos todos juntos.

ARMANDO Então, não sabe de nada?

GUSTAVO Não, o que houve?

]

ARMANDO Você pensava que Margarida gostava de mim, não é mesmo?

GUSTAVO E ainda penso.

ARMANDO (Dando-lhe a carta de Margarida) Leia!

GUSTAVO Foi Margarida quem escreveu isso?

ARMANDO Foi.

GUSTAVO Quando?

]

ARMANDO Há um mês.

GUSTAVO E você, o que respondeu?

ARMANDO O que queria que eu respondesse? O golpe foi tão inesperado que pensei enlouquecer... Ela, me enganar! Margarida me enganar! A mim, que a adorava! E assim, de repente... Essas mulheres não têm alma! Depois do que aconteceu, precisava de um apoio para continuar a viver. Por isso me deixei conduzir por meu pai, como uma coisa inerte. Fomos para Tours. Pensei que lá eu pudesse ficar, mas não foi possível, não conseguia dormir, o ar me faltava. Tinha gostado demais dessa mulher para esquecê-la, assim de repente. Ela só podia me inspirar amor ou ódio; afinal não resisti mais, parecia que eu ia morrer se não tornasse a vê-la, se não ouvisse de sua boca o que me havia escrito... Queria me libertar do amor, pelo desprezo, afogar o passado no ódio. Se estou aqui é porque desejo encontrá-la. Não sei o que vai acontecer mas sei que vai acontecer alguma coisa, e talvez precise de um amigo.

GUSTAVO Estou às suas ordens, Armando, mas pelo amor de Deus reflita um pouco. Lembre

se que se trata de uma mulher e a ofensa que se faz a uma mulher se aparenta muito à covardia.

ARMANDO Não importa! Ela tem um amante ele me pedirá satisfações. Se eu cometer uma covardia tenho bastante sangue para pagá-la.

UM CRIADO (Anunciando). Sra. Margarida de Gauthier! Sr. Barão de Varville.

ARMANDO É ela!

OLÍMPIA (Indo ao encontro de Margarida). Por que veio tão tarde?

VARVILLE Estamos chegando da ópera. (Varville cumprimenta os presentes).

PRUDÊNCIA (À Margarida). Então, como vai?

MARGARIDA Muito bem!

PRUDÊNCIA Armando está aqui.

MARGARIDA Armando!

PRUDÊNCIA É.

(Neste momento, Armando

que está junto à mesa de

jogo, vê Margarida. Ela

sorri, timidamente. Ele

cumprimenta-a secamente) .

MARGARIDA Eu não devia ter vindo a este baile.

PRUDÊNCIA Por que?

MARGARIDA Ainda pergunta?

PRUDÊNCIA Pelo contrário. Mais dia, menos dia, você, tinha mesmo de se encontrar com Armando pois então que seja hoje.

MARGARIDA Ele falou com você?

PRUDÊNCIA Falou.

MARGARIDA De mim?

PRUDÊNCIA É claro.

MARGARIDA E o que foi que disse?

PRUDÊNCIA Que não lhe queria mal, que você tinha feito bem.

MARGARIDA Antes fosse; mas não é possível que seja mal me cumprimentou e está muito.

VARVILLE (À Margarida). Armando Duval está aqui, Margarida.

MARGARIDA Eu sei

VARVILLE Jura que não imaginava encontrá-lo?

MARGARIDA Juro

VARVILLE Então prometa não lhe dirigir a palavra.

MARGARIDA Prometo. Mas não prometo negar-lhe respostas, se dirigir-se a mim. Não me largue

O MÉDICO (À Margarida). Doa noite, minha senhora.

MARGARIDA Ah! É o senhor? Por que está me olhando tanto?

O MÉDICO Porque é o melhor que tenho a fazer, quando a tenho diante dos olhos.

MARGARIDA Está me achando mudada, não e mesmo?

O MÉDICO Cuide-se, minha, senhora, cuide-se por favor. Amanhã irei à sua casa repreendê-la, à vontade.

MARGARIDA Isso! Ralhe comigo, que eu gosto... Mas já está de saída?

O MÉDICO Ainda não, mas não demoro. Tenho que ver um doente; há seis meses que o vejo, diariamente, à mesma hora.

MARGARIDA Que fidelidade! (Ele aperta-lhe a mão e se afasta).

GUSTAVO Boa noite, Margarida.

MARGARIDA Oh! Que prazer, Gustavo! Nichette está aqui?

GUSTAVO Não.

MARGARIDA Desculpe! Isso não é meio para Nichette. Goste bem dela, Gustavo é tão bom ser amada! (Enxuga uma lágrima).

GUSTAVO O que você tem, Margarida?

MARGARIDA Sou tão infeliz, Gustavo!

GUSTAVO Que é isso, não chore! Por que foi que veio?

MARGARIDA Por acaso sou dona de mim? Depois, preciso me atordoar.

GUSTAVO Quer um conselho? Saia deste baile o quanto antes.

MARGARIDA Por que?

GUSTAVO Porque nem sei o que poderá acontecer... Armando...

MARGARIDA Armando me odeia e despreza, não é?

GUSTAVO Não, Armando gosta de você. Veja como está pálido já não está mais se dominando. Antes que haja um incidente entre ele e Varville, invente uma indisposição e vá embora.

MARGARIDA Um duelo entre Armando e Varville, por minha causa! Não é possível! Tem razão, Gustavo, vou-me embora. (Levanta-se).

VARVILLE (Aproximando-se). Onde vai, Margarida?

MARGARIDA Não estou me sentido bem, Varville. Quero ir embora.

VARVILLE Não, não é verdade, Margarida. Você quer ir embora porque Armando Duval está aqui e não lhe está dando a menor importância; mas você deve compreender que eu não posso nem quero fazer papel ridículo, fugindo do lugar em que ele se encontra. Foi você quem quis vir, pois agora, fique.

OLÍMPIA (À Margarida). O que foi que levaram hoje na ópera?

VARVILLE "A Favorita."

ARMANDO A estória de uma mulher que enganava o amante.

PRUDÊNCIA Ora! Que novidade!

ANAIS Então era mentira; não há mulher nenhuma que engane o amante.

ARMANDO Pois digo que há.

ANAIS Onde isso?

ARMANDO Em toda a parte.

OLÍMPIA Sim, mas há amantes e amantes.

ARMANDO Como há mulheres e mulheres.

GASTÃO Armando! Você está se excedendo no jogo!

ARMANDO É para me certificar se é verdadeiro o provérbio: "Infeliz no amor, feliz no jogo."

GASTÃO Neste caso deve ser muito infeliz no amor, porque é feliz demais no jogo.

ARMANDO Meu caro, esta noite pretendo ganhar uma fortuna e, se juntar bastante dinheiro, vou passar uns tempos no campo.

OLÍMPIA Sozinho?

ARMANDO Não, com alguém que uma vez já foi comigo e depois me abandonou. Quem sabe, quando eu for mais rico..

GUSTAVO Fique quieto, Armando! Veja em que estado está essa pobre moça.

ARMANDO É uma estória divertida merece ser contada. Há um sujeito que aparece no fim, uma espécie de providência de última hora, que e um tipo inesquecível.

VARVILLE (Avançando). Cavalheiro!

MARGARIDA Varville, se provocar Armando Duval, nunca mais na vida há de me ver.

ARMANDO (A Varville). É comigo que o senhor está falando?

VARVILLE Justamente. Sua sorte no jogo está me tentando... Além disso, compreendo tão bem o emprego que pretende dar ao seu lucro, que, na esperança de vê-lo dobrar, proponho-lhe uma partida.

ARMANDO Que aceito, com o maior prazer.

VARVILLE Jogo cem luíses.

ARMANDO Feito. De que lado?

VARVILLE Do lado que não escolher.

ARMANDO Cem luíses na banca.

VARVILLE Cem lumes no ponto.

ARMANDO Dê as cartas.

GASTÃO Ponto, quatro banca, nove. Armando ganhou.

VARVILLE Então, duzentos luíses.

ARMANDO Feito! Mas tome cuidado, pois se o provérbio diz: "Infeliz no amor, feliz no jogo", diz também, "Feliz no amor, infeliz no jogo".

GASTÃO Ponto, seis! Banca, oito! Ainda é Armando quem ganha.

OLÍMPIA Ora vejam! É o barão quem vai pagar a vilegiatura de Armando.

MARGARIDA Meu Deus, meu Deus! O que vai acontecer!

OLÍMPIA Para a mesa, meus senhores. Vamos, a ceia está servida.

ARMANDO Continuamos a partida?

VARVILLE Por enquanto, não.

ARMANDO Fico lhe devendo uma desforra dou-lhe a liberdade de escolher o jogo.

VARVILLE Fique tranqüilo, não dispenso a gentileza.

OLÍMPIA (Dando o braço a Armando). Você tem uma sorte!

ARMANDO E você uma solicitude quando eu ganho!

VARVILLE Não vem, Margarida?

MARGARIDA Daqui a pouco. Preciso dizer uma coisa à Prudência.

VARVILLE Se dentro de dez minutos não vier, eu venho buscá-la. Ou a o que estou dizendo

MARGARIDA Está bem, pode ir.

CENA IV

(Prudência e Margarida).

MARGARIDA Procure Armando e peça-lhe para vir falar comigo, em nome do que ele tem de mais caro.

PRUDÊNCIA E se ele recusar?

MARGARIDA Não tem perigo. Não vai perder esta oportunidade de dizer que me odeia.

CENA V

(Margarida só).

MARGARIDA Vamos, um pouco de calma! É preciso que ele continue a pensar o que está pensando... Será que vou ter forças de cumprir a minha promessa? Meu Deus! Fazei com que ele me odeie e me despreze pois é o único meio de impedir uma desgraça...

CENA VI

(Margarida e Armando) .

ARMANDO A senhora mandou me chamar?

MARGARIDA Mandei, Armando preciso falar com você.

ARMANDO Fale, estou ouvindo. Vai pedir desculpas?

MARGARIDA Não, Armando, não se trata disso, peço-lhe mesmo que não toque no passado.

ARMANDO Tem razão, é vergonhoso demais para a senhora.

MARGARIDA Tenha piedade, Armando! Veja como estou pálida e desfeita! Não posso me defender contra você, e mesmo que pudesse, não o faria... Me escute, sem ódio, sem rancor e sem desprezo. Vamos, Armando, me dê sua mão.

ARMANDO Não, isso nunca! E se é tudo o que me tinha a dizer... (Faz menção de se retirar).

MARGARIDA Nunca pensei que fosse um dia repelir a minha mão. Mas não é disso que se trata, você precisa sair de Paris, Armando.

ARMANDO Sair de Paris?

MARGARIDA Sim. Volte para junto de seu pai o mais depressa possível.

ARMANDO E por que?

MARGARIDA Porque Varville vai provocá-lo e eu não quero que aconteça uma desgraça por minha causa. Quero sofrer sozinha.

ARMANDO Então, está me aconselhando a fugir a uma provocação? Isso é uma covardia ! Mas de uma mulher como a senhora, eu não podia esperar outra conselho.

MARGARIDA Juro, Armando, que de um mês para cá tenho sofrido tanto, que quase não me sobram forças para dizê-lo. Sinto que o mal aumenta me consome. Em nome do nosso antigo amor, em nome do que ainda vou sofrer, em nome de sua mãe e de sua irmã, fuja de mim, volte para junto de seu pai, e esqueça até o meu nome, se puder.

ARMANDO Compreendo que esteja apreensiva. Seu amante representa a sua fortuna. E eu posso destruí-la com um tiro ou um golpe de espada. Seria uma desgraça, tem razão.

MARGARIDA Você pode ser morto, Armando, isso é que seria uma desgraça.

ARMANDO Que importa que eu viva, ou que eu morra? Por acaso, pensou em minha vida quando me escreveu: "Armando, esqueça de mim, sou amante de outro homem?" Pouco se lhe dava então que eu morresse desse amor! Se não morri, foi porque precisava vingar-me. Pensou que isso ficaria assim? Que iria me despedaçar o coração e eu não iria pedir satisfações, nem à senhora, nem ao seu cúmplice? Isso nunca! Estou de volta a Paris entre mim e Varville a questão é de vida ou de morte. Juro que hei de matá-lo, ainda que isso possa matá-la.

MARGARIDA Varville não tem culpa de nada.

ARMANDO A senhora o ama! É o bastante para que eu o odeie.

MARGARIDA Você bem sabe que eu não gosto... não posso gostar desse homem!

ARMANDO Então, por que se entregou a ele?

MARGARIDA Pelo amor de Deus, não me pergunte, Armando. Não lhe posso responder

ARMANDO Pois bem! Sou eu quem lhe vou dizer! Entregou-se a ele, porque é uma mulher sem lealdade e sem coração, porque o seu amor pertence a quem paga melhor. Porque, diante do sacrifício que ia fazer, faltou-lhe coragem e deixou-se vencer pelos instintos. Enfim, porque este homem que lhe dedicava a própria vida, que lhe confiara a própria honra, valia menos, aos seus olhos, que os cavalos de sua carruagem, ou as jóias do seu colo.

MARGARIDA Fiz tudo isso, está certo. Sou uma criatura infame, desprezível, que não o amava e que o enganou. Mas quanto mais infame eu seja menos se deve lembrar de mim, expondo por mim a sua vida e a vida daqueles que o amam. Armando, é de joelhos que eu estou pedindo. Vá-se embora, saia de Paris e não olhe para trás.

ARMANDO Está bem, mas com uma condição.

MARGARIDA Diga depressa, eu a aceito, seja qual for.

ARMANDO Você vem comigo.

MARGARIDA (Recuando). Nunca!

ARMANDO Nunca?

MARGARIDA Dai-me coragem, meu Deus!

ARMANDO Escute, Margarida parece que vou enlouquecer, sinto a cabeça girando; no estado em que estou um homem é capaz de tudo, mesmo de uma infâmia. Por um momento pensei que fosse o ódio que me impelia era o amor, o amor invencível, rancoroso, machucado, acrescido de remorso, do desprezo e da vergonha. Porque, depois do que aconteceu tenho vergonha do que sinto. Mas diga uma única palavra de arrependimento, atire a culpa no acaso, na fatalidade, na fraqueza, que eu esqueço de tudo. Que me importa esse homem? Só o odeio porque você o ama. Se disser que ainda me ama, eu te perdôo, Margarida. Fugiremos de Paris e do passado, iremos até o fim do mundo se for preciso' até onde não exista mais ninguém, só nós e o nosso amor.

MARGARIDA Daria toda a minha vida por um só dia dessa felicidade, Armando, mas essa felicidade é impossível.

ARMANDO Por que?

MARGARIDA Seríamos muito infelizes um abismo nos separa. Entre nós dois o amor não é mais possível, vá embora e me esqueça; é preciso, eu prometi.

ARMANDO A quem?

MARGARIDA A quem tinha o direito de exigir de mim essa promessa.

ARMANDO Varville, não foi?

MARGARIDA Foi.

ARMANDO A Varville, de quem você gosta!

MARGARIDA Gosto! Gosto de Varville.

ARMANDO (Correndo ao fundo e abrindo, violentamente a porta). Entrem, entrem todos.

MARGARIDA O que está fazendo?

ARMANDO Você vai ver. (Aos convidados). Estão vendo essa mulher?

TODOS Margarida Gauthier...

ARMANDO Isso! Margarida Gauthier. Sabem o que ela fez?

ALGUMAS VOZES Não.

ARMANDO Vendeu os cavalos, as carruagens. as jóias, para ir viver comigo tão grande era o seu amor... Lindo gesto, não acham? Pois bem! Sabem o que eu fiz? Me portei como um canalha. Aceitei o sacrifício sem lhe dar nada em troca. Todos aqui são testemunhas de que paguei esta mulher, de que não lhe devo mais nada. (Atira as notas e as moedas em Margarida).

(Margarida dá um grito

e cai desmaiada).

VARVILLE (A Armando). O Sr. não passa de um covarde!

FIM DO QUARTO ATO

ATO V

(Quarto de dormir de Margarida. Leito ao fundo; cortinados entreabertos; diante da lareira, um canapé onde Gastão está deitado. Luz de lamparina. Piano, junto à lareira porta à esquerda).

CENA I

(Margarida dormindo; Gastão) .

GASTÃO (Levantando a cabeça). Passei pelo sono... será que enquanto isso ela não chamou ninguém? (Ouve). Não. Está dormindo... Que horas são? 7 horas... ainda está escuro... vou acender o fogo. (Atiça o fogo).

MARGARIDA (Acordando). Nanine.

GASTÃO Já vai, Margarida.

MARGARIDA (Levantando a cabeça). Quem está aí?

GASTÃO (Preparando uma xícara de poção). Sou eu, Gastão... água.

MARGARIDA O que você está fazendo aqui?

GASTÃO (Dando-lhe de beber). Beba, primeiro depois eu digo. Está bom de açúcar?

MARGARIDA (Dando-lhe esta).

GASTÃO Eu nasci para enfermeiro.

MARGARIDA Que é de Nanine?

GASTÃO Está dormindo. Ontem de noite quando vim saber de você, a coitada não se agüentava mais de cansaço; eu, ao contrário, estava lépido. Você já estava dormindo... Então mandei Nanine se deitar. Me recortei perto do fogo e passei muito bem a noite vendo você dormir. O seu sono me fez bem. Então, como e que está se sentindo hoje?

MARGARIDA Bem... Mas coitado de você, Gastão... se cansando à toa...

GASTÃO Coitado nada... Vivo perdendo as noites em bailes, por que não podia perder algumas velando um doente? Depois, eu precisava falar com você.

MARGARIDA O que tem para me dizer?

GASTÃO Você está em aparo?

MARGARIDA Como, em apuro?

GASTÃO Precisando de dinheiro... Parece que não há muito na casa, e é preciso que haja algum. Eu também, não tenho grande coisa. Não é pouco o que tenho perdido no jogo e fiz um mundo de compras inúteis, para o primeiro do ano. (Beijando-a). E que ele te traga saúde e felicidade, é o que desejo. Enfim ainda me sobraram uns 400 francos, que vou pôr ali naquela gaveta. Quando não houver mais nada, sempre haverá um pouco.

MARGARIDA (Comovida). É um anjo! E dizer que é você que está cuidando de mim, se preocupando por minha causa... você um desmiolado, como todos te chamam... você que nunca foi mais do que um amigo...

GASTÃO É sempre assim... E agora, sabe o que vamos fazer?

MARGARIDA O que?

GASTÃO Está fazendo um dia lindo hoje... você dormiu oito horas em seguida e ainda vai dormir um pouco... Da uma às três, quando o sol estiver bem quente, eu venho te buscar, você se agasalha bem e nós vamos dar uma volta de carro. E depois, quem é que vai dormir a noite inteira Margarida? Enquanto isso, vou fazer uma visita à minha mãe, que vai me receber, sabe Deus como! Há mais de quinze dias que não a vejo! Almoço com ela, dou-lhe um beijo e à uma em ponto estou de volta. Está bem?

MARGARIDA Vou ver se tenho forças.

GASTÃO Tem sim. Está com muito boa aparência (Entra Nanine). Pode entrar Nanine. Margarida já acordou.

CENA II

(Os mesmos, Nanine).

MARGARIDA Estava muito cansada, Nanine?

NANINE Um pouco, sim senhora.

MARGARIDA Abra a janela para entrar um pouco de luz. Quero me levantar.

NANINE (Abrindo a janela e olhando a rua). O doutor está aí.

MARGARIDA Coitado!... A primeira visita é sempre minha. Gastão, quando você sair deixe a porta aberta... Nanine, me ajude a levantar.

NANINE Mas...

MARGARIDA Eu quero.

GASTÃO Então, até já, Margarida.

MARGARIDA Até já, Gastão. (Antes de sair, Gastão ajeita os travesseiros no canapé, para Margarida deitar. Ela tenta se levantar e torna a cair. Enfim, apoiada em Nanine, vai até o canapé; o médico entra a tempo, para ajudá-la a sentar).

CENA III

(Margarida, Nanine, o Médico) .

MARGARIDA Bom dia, doutor. Como o senhor é bom de estar pensando em mim desde cedo!... Nanine, vá ver se chegou alguma carta.

O MÉDICO Me dê sua mão. (Pega a mão de Margarida). Como está se sentido?

MARGARIDA Bem e mal! Bem de espírito, mal de corpo. Ontem de noite tive tanto medo de morrer que mandei buscar um padre... Que grande coisa é a religião! Eu estava triste, desesperada, com medo da morte... ele entrou, conversou comigo uma hora e carregou tudo, a tristeza, o desespero, o remorso, o pavor. Então eu dormi e estou acordando agora.

O MÉDICO Tudo vai indo muito bem, minha filha. Prometo que estará convalescendo, assim que a primavera chegar.

MARGARIDA Obrigada pela promessa, doutor. Quando Deus disse que mentir era pecado, estava abrindo uma exceção para os médicos. É o seu dever mentir! (A Nanine que entra). O que você traz aí Nanine?

NANINE Uns presentes.

MARGARIDA Ah É verdade, hoje é dia de ano bom. Quanta coisa, desde o ano passado! Há um ano atrás, a essa hora, estávamos à mesa, cantando... e saudávamos o ano novo com o mesmo sorriso com que nos despedíamos do ano velho. Lá se foi o tempo em que nós ainda sorríamos, doutor... (Abrindo os pacotes). Um anel com o cartão de Saint-Gaudens. Que boa alma! Um bracelete, com um cartão de Londres, do conde de Giray. O que diria se me visse neste estado! Bombons... Então os homens não são tão esquecidos como eu pensava! Tem uma irmãzinha, não tem doutor?

O MÉDICO Tenho, sim senhora.

MARGARIDA Leve esses bombons para ela... Há tanto tempo que não os provo. (À Nanine). E só isso?

NANINE E uma carta.

MARGARIDA De quem será? (Pegando a carta e lendo). "Minha boa Margarida. Estive em sua casa mais de vinte vezes, sem conseguir vê-la. No entanto, não quero que falte ao ato mais importante de minha vida: caso-me no dia l.° de janeiro. Era esse o presente de festas que Gustavo me reservava. Espero vê-la entre os raros convidados à cerimônia... cerimônia muito simples e modesta, que terá lugar às 9 horas da manhã, na capela de Sta. Teresa, na Igreja de Madalena. Beijo a com toda a alegria de um coração feliz. Nichette". Então a felicidade existe para todos, menos para mim! Que é isso, eu sou uma ingrata! Doutor feche a janela que estou sentindo frio. E me dê um papel quero escrever. Por favor, me deixe gastar com aqueles que eu amo, os poucos momentos que ainda tenho de vida. (Esconde o rosto nas mãos. O médico põe o tinteiro na lareira e lhe da um bloco).

NANINE (Baixo ao Médico). Então, doutor?

O MÉDICO (Sacudindo a cabeça). Está muito mal!

MARGARIDA Doutor, quando sair faça o favor de deixar esta carta na igreja em que Nichette vai se casar; mas recomende que só lhe entreguem depois da cerimônia... (Escreve, dobra a carta e põe no envelope). Pronto; muito obrigada. (Aperta-lhe a mão). Não se esqueça; e se puder... volte logo. (O médico sai).

CENA IV

(Margarida e Nanine).

MARGARIDA Agora, ponha um pouco de ordem no quarto. (Tocam a campainha). Vá abrir, Nanine, estão tocando. (Nanine sai).

NANINE (Entrando). É a Sra. Duvernoy.

MARGARIDA Mande-a entrar.

CENA V

(Os mesmos, Prudência).

PRUDÊNCIA Então, Margarida, como vai passando hoje?

MARGARIDA Bem, Prudência muito obrigada.

PRUDÊNCIA Mande Nanine sair um instante; preciso falar à sós com você.

MARGARIDA Nanine, é melhor arrumar primeiro o outro quarto; se precisar de você, eu chamo... (Nanine sai).

PRUDÊNCIA Quero lhe pedir um favor, Margarida.

MARGARIDA Que favor?

PRUDÊNCIA Tem dinheiro à mão?

MARGARIDA ultimamente ando meio atrapalhada, mas enfim, diga...

PRUDÊNCIA É que hoje é dia de ano bom e eu queria fazer umas compras... Estou precisando com urgência de uns 200 francos. Será que você podia me emprestar até o fim do mês?

MARGARIDA Até o fim do mês!

PRUDÊNCIA Se não puder...

MARGARIDA Eu ia precisar desse dinheiro...

PRUDÊNCIA Então não faz mal.

MARGARIDA Que importa! Abra a gaveta... quanto tem aí...

PRUDÊNCIA 500 francos.

MARGARIDA Então, tire os 200 francos que está precisando.

PRUDÊNCIA E você? Não vai lhe fazer falta?

MARGARIDA Não, eu me arranjo com o resto. Não se preocupe comigo.

PRUDÊNCIA (Pegando o dinheiro). Ah! Está me prestando um servição.

MARGARIDA Antes assim, Prudência... Antes assim.

PRUDÊNCIA Já vou indo... Venho vê-la a qualquer hora... Você está com melhor aspecto.

MARGARIDA É... estou melhor.

PRUDÊNCIA Os dias bonitos já estão chegando... O ar do campo vai acabar de curá-la.

MARGARIDA Isso mesmo.

PRUDÊNCIA Muito obrigada, outra vez.

MARGARIDA Me mande Nanine.

PRUDÊNCIA Sei. (Sai).

MARGARIDA Algumas esperanças por 200 francos.

NANINE (Entrando). Veio pedir dinheiro outra vez?

MARGARIDA Veio.

NANINE E a senhora deu?

MARGARIDA De que me vale o dinheiro? E ela disse que precisava tanto! De fato, sem ele não podemos viver e hoje ainda temos os presentes de festas... Pegue esse bracelete que acabam de me mandar. Vá vendê-lo e volte logo.

NANINE Mas enquanto isso...

MARGARIDA Eu posso ficar só, não preciso de nada. Depois, você não vai demorar, há três meses que já conhece o caminho do penhor. (Nanine sai).

CENA VI

MARGARIDA (Lendo uma carta que tira do seio). "Minha senhora. Soube por terceiro do duelo entre Armando e o barão de Varville, pois meu filho partiu sem ao menos vir me pedir a bênção. Confesso que ousei acusá-la desse duelo e dessa fuga. Felizmente já estou a par de tudo e Artur de Varville não corre mais perigo. A senhora cumpriu sua promessa além do que permitiam as suas forças e todos esses reveses abalaram a sua saúde. Escrevi a Armando contando-lhe a verdade. Ele está bem longe mas há de voltar para pedir perdão, por ele e por mim, pois quero reparar o dano que fui forçado a lhe causar. Cuide de sua saúde, minha filha, e espere confiante. Sua coragem e sua abnegação tornaram na digna de um futuro melhor que, prometo, ainda há de alcançar. Por enquanto, receba os protestos de grande simpatia, estima e consideração, de Jorge Duval". Há 6 semanas que ele me escreveu e que eu leio esta carta, sem parar, para ver se me encorajo um pouco. Se ao menos Armando me escrevesse. Se eu pudesse esperar a primavera! (Ela se levanta e olha no espelho). Como estou mudada! No entanto, o médico prometeu que vai me curar. É preciso paciência. Mas ainda há pouco, falando com Nanine, não me condenou? Disse que estou mal, eu ouvi. Muito mal! Ainda é uma esperança, ainda são alguns meses de vida, e se enquanto isso Armando chegasse, eu estaria salva. É o mínimo que se pode esperar no primeiro dia do ano. Depois, estou em meu juízo perfeito. Se eu estivesse em perigo de vida, Gastão não teria coragem de rir, como ainda a pouco à minha cabeceira. O médico não me deixaria. (Na janela). Quanta alegria pelas casas! Olhe aquele menino rindo e cambaleando ao peso dos brinquedos; se pudesse eu o beijava.

NANINE (Entra, deixa o dinheiro em cima da lareira e vem até Margarida). A senhora...

MARGARIDA O que é, Nanine?

NANINE Está se sentido melhor, hoje?

MARGARIDA Estou, por que?

NANINE Então, prometa que vai ficar calma.

MARGARIDA Mas o que foi?

NANINE Quis primeiro prevenir a senhora... quando a gente não espera é difícil suportar uma alegria!

MARGARIDA Você disse uma alegria? Armando! Você viu Armando? Armando veio me ver! (Nanine faz que sim com a cabeça. Margarida corre até a porta). Armando! (Ele aparece, muito pálido. Ela se atira ao seu pescoço, se aperta contra ele). Não é você! Não é possível que Deus seja tão bom, tão misericordioso.

ARMANDO Sou eu, Margarida, eu mesmo, tão arrependido, tão culpado, que nem tinha coragem de cruzar a sua porta. Se não tivesse encontrado Nanine teria ficado na rua. Margarida, não me amaldiçoe! Meu pai me escreveu. Eu estava bem longe, sem saber para onde ir, fugindo do meu amor e do meu remorso... Parti como um louco, viajando noite e dia, sem trégua, sem sono, sem repouso, perseguido por pressentimentos sinistros... vendo de longe a casa coberta de lato... Se eu não tivesse te encontrado eu morreria, pois teria sido o culpado de sua morte... Ainda não estive com meu pai. Diga que nos perdoa, Margarida, a nós dois. Como é bom te ver de novo.

MARGARIDA Te perdoar, querido? Fui eu a culpada... Mas não podia ter feito outra coisa. Queria a sua felicidade, mesmo a custa da minha... Agora seu pai não vai mais nos separar... Não é a mesma Margarida que você está encontrando, mas ainda sou moça e voltarei a ser bonita, pois sou tão feliz! Vamos esquecer tudo... De hoje em diante, começaremos a viver...

ARMANDO Nunca mais hei de te deixar... Nunca mais havemos de voltar a Paris... Agora meu pai já sabe o quanto você vale... Vai te amar como o anjo bom de seu filho. Minha irmã está casada. O futuro nos pertence...

MARGARIDA Fale... fale... Suas palavras me dão outra vida, seu amor me devolve as forças... Eu estava dizendo, hoje cedo, que só uma coisa! podia me salvar... Mas não pensei que pudesse acontecer! Não devemos perder mais tempo e como a vida me escapa entre os dedos, vou prendê-la na mão... Sabe? Nichette vai casar... com Gustavo, agora cedo... Vamos vê-la... Vai ser bom entrar na igreja, fazer uma oração e assistir à felicidade dos outros... Que surpresa que estava me reservando a Providência para o dia de ano bom! Diga que me ama ainda uma vez.

ARMANDO Eu te amo, querida, e hei de te amar a vida inteira.

MARGARIDA Nanine, eu quero me aprontar para sair.

ARMANDO Você tomou bem conta dela Nanine! Obrigado.

MARGARIDA Falávamos em você todos os dias só nós duas; pois ninguém mais tinha coragem de pronunciar o seu nome. Ela me consolava, dizendo que você ia voltar... E não mentia... Você andou correndo o mundo... Agora partiremos juntos...

ARMANDO Que é isso, Margarida, está tão pálida!...

MARGARIDA Não é nada querido. É a felicidade que não pode entrar de repente num coração desolado... sem sufocar um pouco... As vezes a alegria dói tanto como a dor. (Senta-se e atira a cabeça para trás).

ARMANDO Meu Deus! Por favor, Margarida! Fale!

MARGARIDA Não se assuste, querido; sempre fui sujeita a essas vertigens. Passam depressa: olhe estou sorrindo. Pronto já passou! É a alegria de viver que me embriaga!

ARMANDO Está tremendo!

MARGARIDA Não é nada, não! Me dê um xale, Nanine, um chapéu...

ARMANDO (Assustado). Meu Deus! Meu Deus!

MARGARIDA (Tirando o xale, com desespero depois de ter experimentado sair). Oh! Não posso! (Cai sobre o canapé).

ARMANDO Corra buscar o médico, Nanine.

MARGARIDA Isso, depressa! Diga-lhe que Armando voltou e que eu quero viver, que eu preciso viver... (Nanine sai). Se sua volta não me salvou, o que irá me salvar? Mais cedo ou mais tarde aquilo que foi a nossa vida acaba nos matando. Eu vivi de amor estou morrendo de amor.

ARMANDO Não foi para te perder de novo que Deus quis que eu te encontrasse, Margarida... Você vai viver, é preciso.

MARGARIDA Sente aqui, perto de mim... o mais perto que puder e preste atenção... Ainda há pouco tive um momento de raiva contra a morte. Estou arrependida, ela é necessária. E generosa pois esperou a sua chegada para me levar. Se minha morte não fosse certa, seu pai não teria pedido a sua volta.

ARMANDO Não fale mais assim, Margarida, eu acabo enlouquecendo... Não diga mais que vai morrer, diga que você não acredita... que não pode ser... que você não quer morrer!

MARGARIDA Mesmo que eu não quisesse, teria de me conformar, querido, é a vontade de Deus. Se eu fosse uma moça direita, se em mim tudo fosse puro, talvez ainda chorasse à idéia de te deixar neste mundo. Se eu morrer, a imagem que você guardar de mim será pura; se eu viver sempre haverá manchas em nosso amor... Creia, tudo que Deus faz é bem feito.

ARMANDO (Levantando-se). Ah! E demais!

MARGARIDA (Detendo-o). Que é isso? Sou eu que tenho de te dar coragem? Escute, abra essa gaveta e pegue um medalhão... é o meu retrato, no tempo em que eu era bonita! Mandei fazer para você... é seu, quero que te ajude a recordar. Mas se algum dia uma moça bonita se apaixonar por você, se você casar com ela, como deve ser... como eu quero que seja... e se ela encontrar esse retrato.. . diga que é de uma velha amiga que morreu... Mas se ela tiver ciúmes do passado, como nós mulheres costumamos ter, se te pedir o sacrifício desta lembrança, faça-o sem medo e sem remorsos; será muito justo e, desde já, eu te perdôo... A mulher apaixonada sofre demais não se sentindo querida... Está ouvindo, Armando compreendeu bem?

CENA VII

(Os mesmos, Nanine, depois Nichette, Gustavo e Gastão. Nichette entra as sustada mas se acalma à medida que vê Margarida sorrindo e Armando a seus pés) .

NICHETTE Ah! Margarida! Você me escreveu que estava morrendo e eu a encontro feliz e com Armando...

ARMANDO (Baixo). Oh! Gustavo, como sou infeliz!

MARGARIDA Eu estou morrendo, mas estou feliz também e minha felicidade esconde minha morte... Então estão casados... Como é estranha esta primeira vida e como deve ser estranha a outra. Agora vão ser ainda mais felizes do que antes. Falem de mim, às vezes... Armando, me dê a mão... Juro que quando a gente é feliz. não é difícil morrer... (Entra Gastão) F. Gastão que veio me buscar... Que bom... assim ainda o vejo... Como a felicidade é ingrata! Eu tinha me esquecido de você... (A Armando). Ele foi tão bom para mim... Ah! É estranho! Levanta-se).

ARMANDO O que?

MARGARIDA Não estou sofrendo mais. Parece que a vida está voltando... um bem estar, como nunca senti... Eu vou viver! Ah! Como estou me sentindo bem! (Senta-se e parece adormecer)

GASTÃO Está dormindo!

ARMANDO (Inquieto e depois, aterrado). Margarida! Margarida! Margarida. (Dá um grito, é obrigado a fazer um esforço para retirar sua mão da de Margarida). Ah! (Recua, horrorizado). Morta! (Correndo para Gustavo). Meu Deus! Meu Deus! O que vai ser de mim?...

GUSTAVO Pobrezinha, como gostava de você!

NICHETTE (Que se ajoelhara). Durma em paz, Margarida! Muito lhe será perdoado pelo muito que amou !

F I M

A dama das camélias, nesta tradução de Gilda de Mello e Souza, foi representada pela primeira vez no Teatro Municipal de São Paulo, a 6 de novembro de 1961, pelo Teatro Brasileiro de Comédia, achando-se os papéis assim distribuídos:

Armando Duval Maurício Barroso

Jorge Duval, seu pai Paulo Autran

Gastão Rieux Carlos Vergueiro

Saint-Gaudens José Scatena

Gustavo Fredi Kleemann

O Conde de Giray Isidoro Lopes

Arthur de Varville Ruy Affonso

O médico Leo Vilar

Arthur Rubens de Falco

Um mensageiro Ruy Cerqueira

Margarida Gauthier Cacilda Becker

Nichette Elizabeth Henreid

Prudência Labiby Mady

Nanine Maria Lúcia

Olímpia Cleyde Yaconis

Anais Wanda Primo

Empregados e convivas Máximo Rocha, Luiz Antônio, Pedro Petersen, Victor Merinov, José Herculano, Jacintho Mosca, Edgard Gatcke, Sérgio Franco, Maria Luiza Splendore, Suzana Petersen, Dulce Amaral, Maria Nazareth e Onéia Siqueira.

Direção Luciano Salce

Cenários e figurinos Aldo Calvo

Música Enrico Simonetti

Coreografia Marília Franco

Assistente de direção Carlos Vergueiro

Orquestra e Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo

1° Bailarino Michele Barbano

1ª Bailarina Lia Marques

Fonte:

DUMAS FILHO, Alexandre. A dama das camélias. São Paulo: Brasiliense, 1965.

Texto proveniente de:

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>

A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo

Permitido o uso apenas para fins educacionais.

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